26/12/10

Avalanche

Que ruído estranho. Logo aqui, onde neva o ano todo e o som permanente não é mais que o voo de aclamação das aves de rapina. Ainda ouvimos, ainda cheiramos, ainda sentimos, ainda sobrevivemos. Construímos o boneco de neve e mandamo-lo abaixo. A seguir colocamos uma cenoura a fazer de nariz. Quando refazemos o boneco usamos a mesma neve, já nem parece fria nas mãos enrugadas. Não usamos luvas nem pranchas e a tenda chega perfeitamente para resistir ao frio. Mas hoje este fragor que oiço lá ao longe ainda não parou. Vem aí mais uma avalanche e ninguém é capaz de avisar. Onde é que tão as aves agora? Agora é correr. Parar. Respirar. Voltar a correr. Aos poucos sem me deixar alcançar por este demónio dos glaciares e montanhas. Por fim sento-me, olho para trás e ela ainda lá está. E eu ainda aqui estou.

Miguel Branco

15/12/10

Perdi-te(me)

Perdi-te. Naquele dia em que algo tomou conta de mim. Não me conheci, não me ouvi, nem vi o tremer dos meus braços, os livros pelo ar, o sangue a subir-me à face. Desde esse dia nada escrevi. Desculpas? Justificações? De que servem? Quando o que foi dito foi dito e a borracha, com que agora apago as palavras censuradas pela minha inquisidora consciência, não elimina palavras naquele tom. Nem tu, que sempre me deixas depositar em ti tudo o que guardo, me reconheceste na pior tarde da minha vida. Até de ti, por mim, tive vergonha. Pior e a última tarde que vivi. O relógio não voltou a andar, oiço tudo, letra a letra, em vários idiomas e alfabetos. Os ponteiros estão no mesmo segundo em que a última lágrima caiu. Pela primeira vez (para mim) o tempo parou, esse ingrato que nunca esperou por ninguém. Nem para a frente nem para trás, se ao menos o cuco ainda cantasse, se ao menos eu ainda fosse aquele que era antes de falar. Mas não sou, nem para quem o fiz, nem para mim. Não o podia ter feito. Mas fiz. Não nos podia ter desligado, mas desliguei. Com curto-circuito, no teu gigante coração que tão subitamente mirrou. O teu olhar mudou naquele dia. Perdi-te. Perdi-me. Fiquei. Não acredito.

Miguel Branco

22/11/10

Cliché

Dá-me lume. Cliché. Acendo o cigarro e respiro fundo. Cliché. A olhar para o mar questionamos o nosso “nós”. Cliché. O nó aumenta, os olhos humedecem, as palavras fazem dor de garganta. Cliché. As lágrimas caem e as cabeças baixam. Cliché. O desgaste e o abraço. Cliché. Seguimos para o café, outro cigarro. Cliché. O fumo custa a travar, que futuro? Cliché. Não quero desistir já. Cliché. As mãos tremem, o coração entra em erupção. Cliché. Tanta lava em forma sentimental. Cliché. Não vás. Cliché. Passeamos de mão dada. Cliché. No último sopro, o último beijo. Cliché. Não me deixes. Cliché. É o melhor. Cliché. Viraste costas e partiste. Cliché. Eu fiquei parado a ver-te ir e a aproveitar a minha última imagem – tua. Cliché. Qual cliché? Cala-te. Cliché. Cliché. Amo-te. Cliché.

Miguel Branco

27/10/10

Campos de Trigo

Pára. Já não consigo aguentar o teu peso. Pára de me empurrar para onde eu não sei ir, para onde o cheiro é diferente e silêncio não deixa ninguém falar. Que avassalador, o modo como me sinto observado no redor de ninguém. Nem um ancião aos tropeções na sua filosófica barba, nem um nómada que se perdeu a caminho de casa, nem um gnu que seja a fugir de um leopardo. Pior, nem um chinês.

E foste tu que me fizeste cair para estes campos de trigo intermináveis. Que castigo é este? Neste sítio, o silêncio é um ditador. Persegue-me até ao último trigo, a qual eu nunca cheguei. Não me deixa gritar, nem suspirar, ele ocupa todas as partículas invisíveis e ondas magnéticas com códigos estranhos, que me permitiriam exprimir-me, oralmente.

Puxa-me para fora daqui, eu não sei viver deste modo. Eu cresci com o silêncio, aquele que é bonito, que diz tanta coisa, sem nada dizer. Não quero, nem posso conviver com este. É inquisidor, multiplica-se em cada trigo, e daí propaga o seu eco milhões de vezes. É um ruído total e incompreensível.

Não vejo mais nada. Só amarelo meio torrado, que eu nunca odiei tanto. Nem sequer uma colina ou um vale com uma nascente?

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Já não estou lá. Alguém me trouxe de volta, e não foi o silêncio que eu sempre amei, nem o amarelo que eu desde pequeno idolatro. Foi alguém que me deu um local hollywoodesco, com que eu sempre sonhei. E me deixou estar, a observar, sem conseguir dormir, sem conseguir falar.

Se um dia assim o quiser, torno qualquer bela num monstro.

Miguel Branco

12/10/10

Carta aberta

Para ti e por ti, uma carta aberta. Sem dúvidas que se tornam aves, nem recuos que soem a despedidas emocionais por uma eterna janela de comboio. Não quero clichés que já cheiram mal, de tão velhos e gastos que estão. Precisamos de encher a nossa caixa secreta, e eis que cumprimos a tradição: uma carta no dia em que beijas a maioridade. Podia tornar esta carta numa coisa chata, em que apelava pelas tuas responsabilidades (como se fosse preciso), em que incorporava uma personagem de cinquenta anos e falava dos voos e das quedas com que a vida nos congratula.

Mas isso não seria eu. Eu gosto de te florear e de te mimar com palavras perfumadas. As vezes sinto-me ridículo, como se te tivesse conhecido ontem e tudo isto fosse um flirt a tomar proporções gigantescas e assustadoras. E mais, como se a nossa história fosse como a comum das mortais, em que dois olhares se cruzem, se aproximam e quase se tocam, para depois se afastarem e voltarem mais tarde a unir-se de facto. Ou pior, como se nos tivéssemos beijado pela primeira vez numa sala de cinema (não é que eu não tenha tentado). Acho que ninguém teve um primeiro beijo num sítio tão cómico como nós (desculpem caros seguidores de comtexto depois conto-vos, um dia mais tarde).

Com dezoito ou com quarenta e cinco, serás sempre tu. E eu serei sempre eu, e estarei sempre no mesmo local, se houver forças para isso: ao teu lado. Parabéns pequenina.

Teu, hoje e sempre,

Miguel Branco

05/10/10

Pesadelo

Calma. Ele está a bater muito depressa.

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Onde vais tu deambulando por esses planaltos já visitados e por essas pedreiras de cores asfixiantes? O que procuras nessa natureza que esmaga pensamentos e corrói criatividade? Porque queres fazer uma tempestade com as próprias mãos e erguer um tornado que absorva os dois hemisférios?

E não queres ser culpado. Não queres que ninguém fique para te apontar o dedo. Sobram telhas em trezentos pedaços, sinais de trânsito amachucados, carros sem direcção.

Querias o ostracismo global e o que seria de ti? Serias o único Adão, no teu personalizado jardim de éden, onde as cinzas reinavam e o cheiro dos cadáveres te ia queimando o desejo de viver. Eras já parte da vegetação, o teu sangue ia arrefecendo e eras nativo daquele local. Que é feito da tua linguagem e forma de comunicação humana?

Perdeste os poderes. E os olhos abriram lentamente.

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Calma. Já expeli a minha angústia. Ele voltou ao ritmo normal.

Miguel Branco

16/09/10

Aproximar

Que sensação esquisita. Não sei bem o que sinto, e eu acho que sei sempre o que sinto, mesmo que não o saiba. Procura algo distinto num destes cantos da sala, mas se não vejo abajures tortos e infelizes, vejo peças artesanais que outrora me davam alento. E ver não me chega, nunca chegou. Preciso de estabelecer uma conexão, por mais idiota e ridícula que seja. E não, não é ver para além do que os olhos vêem, porque de facto são eles que o fazem, seja de uma forma mais superficial ou mais profunda. Viajando nas partículas com nomes químicos e microscópicos cujas suas fórmulas fazem doer a cabeça, vou-me aproximando. Muito lentamente. É assim que vou colocando etiquetas, de olhos vendados, são nomes próprios, próprios de minha autoria e não de um grupo de substantivos próprios. Com letra grande, como dizem as crianças. Todos vemos com dois olhos, todos sabemos ser observadores, todos temos uma maneira diferente de nos aproximar. Sim, aproximar. Porém, sem conseguir entender.

Eu não disse que achava que sabia sempre aquilo que sentia?

Miguel Branco

06/09/10

Já posso ir dormir?

São 3.30 da manhã, a minha mãe vai-me bater.

Mas hoje o meu blogue não me deixou ir dormir. Chegou a ameaçar-me de que nunca mais colocaria acentos e as pessoas iriam rir-se de mim. E aquelas que se preocupam corrigiriam primeiro, só depois disfarçariam, elogiando o “magnífico” texto. “A sério Branco está fantástico, só reparei no erro porque gosto de ler muitas vezes”. Estava tão irritado que era capaz de ir aos meus registos de MSN buscar uma conversa de 2008, para me atirar com uma frase destas à cara. Desculpa mãe por estar acordado. Desculpa blogue por estar de férias.

Eu bem sei, eu bem sei que a escrita não tira férias e que há internet em cafés e em tascas com cheiro a linguiça.

Mas eu tiro férias. E tu já me conheces, eu não tiro férias da faculdade ou do andebol, sem antes tirar férias de mim. Tirar férias de mim, é tirar-me a escrita. Já sei o que vais dizer…mas as coisas não são bem assim. Eu já não escrevo tanto, mas durante as aulas sempre vou escrevendo. Durante esse tempo não estou a 10 km/h (ainda que as vezes possa parecer), vivo num fervilhar de acontecimentos e batimentos. E quando reparo não consigo ser eu. Não tenho tempo? Mentira. Não tenho paciência? Talvez, mas não é desculpa. Não consigo, ponto final.

É algo que me intriga há algum tempo. Isso e não saber ao certo quando sou eu, se nas férias, se durante o ano lectivo. Mas estou convencido que sou eu nas férias. Quando tenho tempo para ter calma, quando desapareço para a maior parte, quando não tenho que ir ao portátil ver o e-mail, quando não tenho que ler por obrigação. Não sabe tão bem? E vais dizer que a ti não te sabe bem, não ouvires o meu jornal da tvi todas as semanas?

Mas está descansado, o stress vai começar a surgir, daqui a um mês já estou a engolir em seco, já consumo tudo o que me acontece, em tão pouco tempo, nas viagens de comboio, metro e autocarro. Aí podes sorrir, sabes que me tens de volta. E podes aconchegar-me com a tua frase preferida “Desculpa Miguel, mas até gosto quando te sentes em baixo.”

Miguel Branco

30/07/10

Descansa

Que raiva. Não costumo ser assim, mas chega a uma altura que isto cansa.

Dá-me a sensação que me assemelho a um puto de 5 anos vingativo, que se saliva todo quando lhe roubam o carro telecomandado. Puro azar. O passeio está esburacado…e agora? Chovem pedras da calçada para esses estupores do destino, ou do karma, ou daquela entidade que leva as pessoas de ao pé de nós.

Que injustiça. Não costumo ser assim, odeio clichés, mas quase parece verdade.

São sempre os mesmos, os melhores. Os piores vão ficando e rindo satiricamente, mesmo quando o sol os acorda através dos quadradinhos de metal e o recreio é as 15 horas.

Portugal acordou encolhido. Uma pontada na coluna fez Sagres balançar para trás. Um soco no abdómen fez oscilar Lisboa. E assim foi em todo o país. Felizmente ninguém se esquece. Dói. Retraímo-nos em conjunto, mas recordamos, exaltamos, choramos.

Está no núcleo duro deste pequeno país. Esperamos que ainda estejam mais por nascer. No teatro, na rádio, na televisão, no desporto, na literatura. Homens e mulheres de excelência que nos fazem andar com o peito inchado pelo estrangeiro.

Nunca parámos de rir. Não nos cansámos de ouvir a sabedoria e humildade com que nos foste brindando, principalmente nestes últimos meses.

Não é tempo de gritar pela injustiça da vida, não é não. É tempo de deixar cair uma lágrima de homenagem e sorrir ao som das últimas e infinitas palavras.

Que a beleza do teu nome nos conceda um dia.

E hoje, por um dia sejamos todos fantasticamente Feios, no coração, na face, nos olhos, no nosso íntimo e na nossa sombra.

Se cada um fosse tão Feio como tu António...

Descansa em paz António Feio.

29/07/10

Desçamos

Desci do quarto andar em que não vivo. Medroso, pelas vertiginosas escadas de emergência, que sempre resultam em acidentes, tiroteios ou suicídios escondidos pelas ratazanas (quem nunca o viu num filme rodado em Nova Iorque?). Consegui chegar ileso. Fisicamente.
Subitamente, apercebo-me dos combates do foro psicológico/mental que decorriam na minha mente. O terceiro ou quarto assalto (não me lembro bem) estava a chegar ao fim e só aí lhe dei atenção.
Porque não posso eu viver de onde, ainda agora, desci? Casa antiga, bem decorada, na sala uma jukebox a tocar bob dylan, no quarto um poster do freddie mercury. Uma varanda espaçosa com uma mesa para jogar póquer. Uma biblioteca com os melhores: Eça, Pessoa, Saramago, Camilo, entre tantos outros.
Acho que sei porquê. Quanto mais desejamos ser e ter, menos somos e menos temos. Nunca correspondemos àquilo que esperam de nós, somos demasiado exigentes, demasiado insatisfeitos.
A inconformidade não é negativa na sua essência, é sim explorativa, ousada, mas também, e muito, incerta.
Desçamos todos do quarto andar em que não vivemos e sejamos o que conseguimos ser. Para nós, para as nossas próprias expectativas, para os nossos episódios internos. Para os outros, sejamos a imagem que eles queiram fazer de nós. Quem se importa?

Miguel Branco

28/06/10

Mago

Mago


Foi há dez dias.
E só hoje me consegui sentar, ainda que meio em receio sinto-me capaz de te contar.
Já alguém te contou uma história melhor que as tuas?
Dá-me licença Saramago. Que te trate na primeira pessoa, que te conte uma história.
Por onde quer que deambules ouve-me por 2 segundos.
Esta é a história do jovem que não conseguiu escrever.
A história do rapaz que tinha um ídolo.
A história do miúdo que quando soube que ele partiu, paralisou.
E depressa se fez ao caminho para ir beber cervejas e rir com os amigos.
Como uma namorada louca que não aceita o fim da relação.
O jovem fingiu que não era verdade.
Dez dias volvidos o jovem sentou-se e escreveu:


"Há dez dias partiste José, e eu nem me dignei a prestar-te homenagem. Hoje te dedico estas palavras. Em palavras porque é a minha melhor forma de me exprimir. De estar mais próximo de ti.
Há dez dias atrás os livros ficaram abertos.
Ninguém ousou fechar.
Luto literário. Luto completo.
Uma grande percentagem do cérebro de Portugal morreu.
José, não nos deste só conselhos nas tuas diferentes contracapas.
A nós, portugueses com sede de sabedoria… tiraste-nos a cegueira e ofereceste-nos uma jangada para ninguém se afundar.
Promoveste ensaios para ninguém falhar na actuação.
Ninguém perdeu tempo. Todos o ganharam.
Agora todos te agradecem, todos correm às livrarias para te manter vivo.
Pesa-lhes a consciência.
A mim só me pesa o pensamento.
Eu não te apago, não morrerás nunca Mago Saramago."

27/04/10

Mundo moderno

Que saudades queridos leitores. Minhas, claro. Mas admito que, no meio desses milhares de seguidores e fãs que preenchem ao máximo a caixa dos comentários de cada post, um ou outro sentiu necessidade de ler algo. É possível que isso seja verdade. Mas o que é verdade, caríssimos leitores é que eu tinha saudades. Não só deste espaço onde me vou desmontando em pedaços, mas acima de tudo, tinha saudades de ter tempo para me sentar, e escrever. Seja lá o que isso significa, seja um poema bem estruturado, seja um texto do acaso onde inventei sentimentos nunca transcritos.

Como comentava com duas amigas minhas há uns dias, sinto mesmo que vou perdendo a criatividade, o talento de brincar com as palavras, assim como se perde o tacto na ponta dos dedos, quando estes contêm pó. Vejo-me a ser engolido por tudo o que me rodeia, pelas buzinas dos carros, pelo “take care of your belongings” no metro de Lisboa, por tudo o que me faz lembrar que a minha vida é uma rotina entediante e caótica. Enquanto sou sugado por um vulcão citadino, que transpira modernidade e tecnologia, vou convivendo com o realismo e dizendo adeus ao subjectivismo. A informação consome qualquer recanto exótico e abstracto que possuo no meu cérebro, e assim vou respirando e sobrevivendo, entre suspiros e soluços. Sobram-me pequenos momentos de observação e de escuta, onde se aprende muita coisa para além da simples conserva entre idosas, sobre os vícios dos jovens e o estado do tempo.
Resta-me ser capaz de me adaptar a este mundo moderno: ser pró-activo. Na política: marcar um caminho, seguir um rumo com que me identifico. Nos estudos: não permanecer à margem, ser interessado na minha área. Na escrita: tentar não ficar preso a tudo o que é concreto. E é preciso ainda esperar que a vida marque o seu passo, a sua cadência, o seu bater cardíaco. Entretanto mantenho-me vivendo entre mundos que eu próprio designo e que eu mesmo desafio.

[Atenção caros leitores, isto não é uma desculpa para não postar decentemente, com mais regularidade. Eu é que ando mesmo sem inspiração nenhuma para a escrita, mas esperam-se melhores momentos, nem que sejas crónicas de humor ou críticas à sociedade]

Miguel Branco

14/03/10

Explosão

Rastilho aceso. 1,2,3,4,5. Detonação evidente. Diferente. Não como uma explosão normal, onde o barulho rasga os tímpanos, os destroços ferem pessoas, as labaredas tocam o céu com a ponta do nariz. Desta vez o silêncio sobrepõe-se, ninguém é atingido, as chamas não queimam qualquer nuvem.
Não se lêem notícias sobre o acidente, pois este permanece no anonimato. Não posso divulgar, não sei do que se fala. Salvem-me do pó que não me deixa respirar. Enquanto as minhas veias se laqueiam automaticamente e os meus órgãos ficam mais lentos, vejo alguém sentado numa poltrona a escrever o que observa. Revejo-me no reflexo dos seus óculos de sol, assim como vislumbro o que escreve.
“Pobre rapaz, não sabe como escapar a tremenda explosão, não pode dizer nada, por consciência própria, não sai do seu silêncio doentio que lhe fecha os horizontes. Sabe que não pode, que seria ridículo pedir-lhe justificações. A explosão, medrosa e algo vingativa, veio sem avisar. Rebentou por medo, por insistência, por exigência de alma. Liberta-te rapaz e cospe o fogo, o pó e os pedaços que por ricochete te cortaram as artérias. Faz-te um homem e ganha ao tempo”.
Fiquei estático, limpei o lixo dos olhos, sacudi a película de fibra de vidro que enforcava o meu coração e fingi que não explodi internamente. Alguém ouviu alguma coisa?


Miguel Branco

11/03/10

Lê o jornal. Consome os títulos. Mastiga as notícias. Cospe o acessório. Recorta. Cola. Pára. Inventa.

Gostava que o Word guardasse um histórico das tentativas que já fiz para dar continuidade a este primeiro parágrafo. Não as considero infelizes, mas sim inadequadas. Processos criativos que não mereceram divulgação, talvez por serem demasiado pessoais, talvez por serem demasiado abstractos. Talvez ainda, por serem, isso sim, pedaços de folhas digitais escritas e rasuradas e reescritas e queimadas por fim.

Muitas como esta, pobre coitada, tiveram o azar de ser publicadas. Acusadas de não terem espontaneidade, de serem cópias daquelas de que todos ansiavam e de aparecerem sob a forma de desabafo forçado. São vítimas dos avanços e retrocessos do seu fugaz criador. Durmo em paz, porque sei que são das tentativas de escritas mais compreensivas que alguma vez encontrei. Perdidas na Baixa, ao som de uma guitarra que propagava melancolia, através de solos antigos de Pink Floyd.

Encontrei-vos e perdi-vos a seguir. Reconheci uma cara conhecida que se dirigiu a mim:
- Nunca mais soube nada de ti…
- Nem eu…

Miguel Branco

28/02/10

Crónica - 26 de Fev

Esta crónica foi feita na aula de Laboratório de Géneros Jornalísticos decidi publicá-la porque já não escrevia no blog há algum tempo. Ironia pura. Espero que gostem.



Obrigado PSD!

No meio de tantos escândalos políticos e económicos que assolam o nosso país, há algo, que muito sinceramente, me causa bastante mais confusão. Está certo que estes casos sucessivos: das escutas, da tvi, do freeport não dão aso a que se publique e se comente muito mais (sem falar obviamente da qualidade de jogo do sporting).


Contudo consegue-se sempre espaço para um fenómeno fascinante que ocorre há algum tempo no preâmbulo político português. Se estava a pensar na fantástica oratória da Dr.Manuela Ferreira Leite, peço desculpa caro leitor, mas não acertou. O que me leva a escrever hoje é a forte liderança e união que o Partido Social-Democrata (PSD) tem demonstrado recentemente.
Ora vejamos, depois da inocente e humilde saída de Durão Barroso para o parlamento europeu, o PSD só viveu momentos de glória e sucesso político. Santana-Lopes trouxe a rebeldia e a legislatura mais longa de sempre, bem como solidificou o bom ambiente vivido no partido, e para quê realçar a digna e saudável “luta de cães” de Marques Mendes e Luís Filipe Menezes?


A grande questão é: quem prosseguirá este pacífico caminho de progresso sobre a esquerda? Três nomes surgem nesta longa-metragem – Pedro Passos Coelho (parece que já ouvi este nome em algum lado), José Aguiar-Branco (e aqui vai outro) e Paulo Rangel. Estranhou não ter feito nenhum à parte para este último? Não o fiz exactamente porque considero que o próprio não merece qualquer tipo de apresentações. Alguém que no Parlamento Europeu afirma que Portugal já nao é um Estado de direito...merece todo o respeito do mundo, mais, da Europa.


Este senhor de pequeno porte achou por bem denunciar a campanha que o Governo anda fazer contra os meios de comunicação social, aliás se fosse eu faria o mesmo, até porque se não fosse o PSD, bem estruturado e organizado, a lutar pela liberdade de imprensa, estaríamos nas ruas da amargura. Parabéns Paulo Rangel, obrigado PSD por serem tão magros que nem para o próprio umbigo conseguem olhar. Quem será o próximo a liderar este grande partido? Venha o diabo e escolha. Ai Paulinho Paulinho, se tivesses um telejornal à sexta à noite...



Miguel Branco

17/02/10


Agora que já passou a euforia inicial da criação do blog, onde escrevo todos os dias com inúmeras ideias e motivações, procuro temas para deixar uma nova mensagem. Obrigando-me a escrever, para dar asas à minha escrita, para me libertar do que vou escrevendo na minha mente, sem que o ponha em papel.

Imagino se houvesse um aparelho que reproduzisse tudo o que penso, raciocínios que construo, metamorfoses pensativas nuas de preconceitos, onde tudo é dito e pensado e sentido, sem que o senso comum me cortasse o politicamente correcto. Quando penso, posso pensar, não me justifico a ninguém (sem ser a mim próprio), não oiço vozes humanas a chamarem-me à razão, a matarem-me a liberdade. Se é isso que faz de mim o ser creativo e bem disposto que sou - visto que muitas vezes exponho aquilo que penso e não posso dizer - é também um dos meus maiores problemas. Vai-me consumindo, desconcentrando, vai fazendo do meu corpo pensamento, alastrando da cabeça para o resto do corpo. Torno-me pensamento em forma humana, não que isso faça de mim um ser de elevada intelectualidade, mas sim uma folha cujas linhas são preenchidas com letra de médico, sem que a grande maioria das pessoas leia o que estou a sentir. Só conseguem ler que estou efectivamente a pensar, não aquele pensar comum de todo o ser humano, mas o pensar profundo, de retirar ilações e possíveis conclusões ou premissas. Possíveis, quando são possíveis.

Quem me dera, por vezes, poder não pensar. Para não ter vontade de explodir e comigo arderem todas as folhas arquivadas do meu registo de pensamentos.


Miguel Branco

12/02/10

Post 3 (não leiam)


Boa noite, sabem aqueles dias tão característicos em que acordamos de manha e sentimos que nascemos para dizer piadas sem piada nenhuma e que por isso mesmo achamos que tem piada, mas no fundo não tem piada nenhuma? Eu hoje tive um dia assim, e como foi bom senti-lo de novo. Não que fosse novidade na minha vida, mas já nao tinha um dia destes há bastante tempo. E sabem que mais? é espectacular, saber que as pessoas se riem ou de cansaço ou de pena, de tanta merda que sai da nossa boca. Sei perfeitamente o que estão a pensar neste momento, o rapaz sensível que vos deu textos tão poéticos nos 2 posts anteriores está agora aqui armado em campeão a dizer piadas. Mas não, simplesmente quando o cansaço é tanto que já nada flui na cabeça, ou pior, quando isso acontece desde que acordamos, o melhor é tar calado e deixar algo de alguém que é como o algodão, não engana.


"Para compreender, destruí-me. Compreender é esquecer de amar. Nada conheço mais ao mesmo tempo falso e significativo que aquele dito de Leonardo Da Vinci de que não se pode amar ou odiar uma coisa senão depois de compreendê-la.

A solidão desola-me, a companhia oprime-me. A presençaa de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir." - Fernando Pessoa


Miguel Branco, kiss




11/02/10

Post 2

Aqui vai o primeiro desabafo deste blogue, que venham muitos mais. É normal que não percebam alguma coisa, nem eu mesmo percebo, nem sei para quem tou a escrever, mas quando se abre um blogue temos de criar uma entidade superior, no plural, que são vocês e vocês, sejam lá quem forem, sei que me compreendem.

Dou comigo

Dou comigo à procura de folhas de papel que não são para encontrar, de canetas sem tinta perdidas no fundo da mala, de micas dobradas sem vontade de guardar conhecimentos, de sebentas sem fim presas por elásticos fatigados, de lapiseiras com minas explosivas balançadas por disciplinas constrangedoras, de separadores multicolores esmagados por axiomas e teorias hipodérmicas, de jornais não pagos de há 3 dias que se lêem ao sabor do tempo, de post-its que aguardam ideias não-amarelas. Dou comigo à procura...e não encontro, procuro sim um motivo para não partir paredes, para não comer a despensa como se tivesse tanta fome que comia o planeta inteiro e o sistema solar como sobremesa. Dou comigo a ser eu, a ter tempo para pôr em prática a minha personalidade e a não pagar mais por isso, a agir em vez de fingir, a ser capaz de evitar olhar para o relógio de 10 em 10 minutos, a ver o tempo passar com cara de mau e a esticar-lhe o dedo. Dou comigo a ter tempo e a não ter esclarecimento suficiente para ter vontade de ser, de estar, no presente do indicativo. Dou comigo a desviar o olhar para não ver a minha consciência passar, com medo de ouvir aquilo que já devia ter ouvido: eu não dou comigo.


Miguel Branco

http://www.youtube.com/watch?v=_XROFEwhBpc - Aqui deixo uma música genial, feito por um génio, para acompanhar a leitura, faz sempre bem. Beijinhos e abraços.

10/02/10

Hoje


Foi a disciplina de seminário do jornalismo que me impulsionou para a criação deste blogue. Já tive um em conjunto com amigos meus, mas acabou por não ter continuidade. O que escrevo aqui não são mais que puros rascunhos e divagações de tudo o que meto em papel, desde coisas já escritas até coisas feitas nesta caixa de mensagem, propositadamente para este blogue. Tudo o que podem encontrar aqui é coisas com texto, mas nunca com contexto. Aqui fica hoje um texto de dia 30/11/09.





Fontes



Giro em torno de mim, procuro frases no ar, slogans nos outdoors.

Algo que me caracterize, que consiga pôr no papel.

Como uma bibliografia que possa ser consultada na minha estante de retratos pessoais.

O último nome seguido de vírgula e do primeiro, o ano da edição e o seu local.

Não como fonte bibliográfica para a criação do retrato de outrém.

Sim como arquivo, em português arcaico, com pedido de autorização.

Burocracias que cirem dificuldades à sua consulta.

Única e exclusiva consulta de mim, feita por mim.

Para me lembrar quem sou.

Se todos as coisas fossem materiais, escritas em papel, era tão mais fácil.

Ninguém interpretava, havia vida enquanto houvesse tinta na caneta.

Hoje quero-me lembrar, não há bibliografia.

Só há escritor.


Miguel Branco