29/07/10

Desçamos

Desci do quarto andar em que não vivo. Medroso, pelas vertiginosas escadas de emergência, que sempre resultam em acidentes, tiroteios ou suicídios escondidos pelas ratazanas (quem nunca o viu num filme rodado em Nova Iorque?). Consegui chegar ileso. Fisicamente.
Subitamente, apercebo-me dos combates do foro psicológico/mental que decorriam na minha mente. O terceiro ou quarto assalto (não me lembro bem) estava a chegar ao fim e só aí lhe dei atenção.
Porque não posso eu viver de onde, ainda agora, desci? Casa antiga, bem decorada, na sala uma jukebox a tocar bob dylan, no quarto um poster do freddie mercury. Uma varanda espaçosa com uma mesa para jogar póquer. Uma biblioteca com os melhores: Eça, Pessoa, Saramago, Camilo, entre tantos outros.
Acho que sei porquê. Quanto mais desejamos ser e ter, menos somos e menos temos. Nunca correspondemos àquilo que esperam de nós, somos demasiado exigentes, demasiado insatisfeitos.
A inconformidade não é negativa na sua essência, é sim explorativa, ousada, mas também, e muito, incerta.
Desçamos todos do quarto andar em que não vivemos e sejamos o que conseguimos ser. Para nós, para as nossas próprias expectativas, para os nossos episódios internos. Para os outros, sejamos a imagem que eles queiram fazer de nós. Quem se importa?

Miguel Branco

1 comentário:

  1. Não tentes ser a imagem que os outros querem que tu sejas. Porque essa é a tua maior e verdadeira essência. A tua identidade.

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