15/12/10

Perdi-te(me)

Perdi-te. Naquele dia em que algo tomou conta de mim. Não me conheci, não me ouvi, nem vi o tremer dos meus braços, os livros pelo ar, o sangue a subir-me à face. Desde esse dia nada escrevi. Desculpas? Justificações? De que servem? Quando o que foi dito foi dito e a borracha, com que agora apago as palavras censuradas pela minha inquisidora consciência, não elimina palavras naquele tom. Nem tu, que sempre me deixas depositar em ti tudo o que guardo, me reconheceste na pior tarde da minha vida. Até de ti, por mim, tive vergonha. Pior e a última tarde que vivi. O relógio não voltou a andar, oiço tudo, letra a letra, em vários idiomas e alfabetos. Os ponteiros estão no mesmo segundo em que a última lágrima caiu. Pela primeira vez (para mim) o tempo parou, esse ingrato que nunca esperou por ninguém. Nem para a frente nem para trás, se ao menos o cuco ainda cantasse, se ao menos eu ainda fosse aquele que era antes de falar. Mas não sou, nem para quem o fiz, nem para mim. Não o podia ter feito. Mas fiz. Não nos podia ter desligado, mas desliguei. Com curto-circuito, no teu gigante coração que tão subitamente mirrou. O teu olhar mudou naquele dia. Perdi-te. Perdi-me. Fiquei. Não acredito.

Miguel Branco

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