27/10/10

Campos de Trigo

Pára. Já não consigo aguentar o teu peso. Pára de me empurrar para onde eu não sei ir, para onde o cheiro é diferente e silêncio não deixa ninguém falar. Que avassalador, o modo como me sinto observado no redor de ninguém. Nem um ancião aos tropeções na sua filosófica barba, nem um nómada que se perdeu a caminho de casa, nem um gnu que seja a fugir de um leopardo. Pior, nem um chinês.

E foste tu que me fizeste cair para estes campos de trigo intermináveis. Que castigo é este? Neste sítio, o silêncio é um ditador. Persegue-me até ao último trigo, a qual eu nunca cheguei. Não me deixa gritar, nem suspirar, ele ocupa todas as partículas invisíveis e ondas magnéticas com códigos estranhos, que me permitiriam exprimir-me, oralmente.

Puxa-me para fora daqui, eu não sei viver deste modo. Eu cresci com o silêncio, aquele que é bonito, que diz tanta coisa, sem nada dizer. Não quero, nem posso conviver com este. É inquisidor, multiplica-se em cada trigo, e daí propaga o seu eco milhões de vezes. É um ruído total e incompreensível.

Não vejo mais nada. Só amarelo meio torrado, que eu nunca odiei tanto. Nem sequer uma colina ou um vale com uma nascente?

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Já não estou lá. Alguém me trouxe de volta, e não foi o silêncio que eu sempre amei, nem o amarelo que eu desde pequeno idolatro. Foi alguém que me deu um local hollywoodesco, com que eu sempre sonhei. E me deixou estar, a observar, sem conseguir dormir, sem conseguir falar.

Se um dia assim o quiser, torno qualquer bela num monstro.

Miguel Branco

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