14/03/10

Explosão

Rastilho aceso. 1,2,3,4,5. Detonação evidente. Diferente. Não como uma explosão normal, onde o barulho rasga os tímpanos, os destroços ferem pessoas, as labaredas tocam o céu com a ponta do nariz. Desta vez o silêncio sobrepõe-se, ninguém é atingido, as chamas não queimam qualquer nuvem.
Não se lêem notícias sobre o acidente, pois este permanece no anonimato. Não posso divulgar, não sei do que se fala. Salvem-me do pó que não me deixa respirar. Enquanto as minhas veias se laqueiam automaticamente e os meus órgãos ficam mais lentos, vejo alguém sentado numa poltrona a escrever o que observa. Revejo-me no reflexo dos seus óculos de sol, assim como vislumbro o que escreve.
“Pobre rapaz, não sabe como escapar a tremenda explosão, não pode dizer nada, por consciência própria, não sai do seu silêncio doentio que lhe fecha os horizontes. Sabe que não pode, que seria ridículo pedir-lhe justificações. A explosão, medrosa e algo vingativa, veio sem avisar. Rebentou por medo, por insistência, por exigência de alma. Liberta-te rapaz e cospe o fogo, o pó e os pedaços que por ricochete te cortaram as artérias. Faz-te um homem e ganha ao tempo”.
Fiquei estático, limpei o lixo dos olhos, sacudi a película de fibra de vidro que enforcava o meu coração e fingi que não explodi internamente. Alguém ouviu alguma coisa?


Miguel Branco

1 comentário:

  1. Estou certa de que ninguém ouviu nada.
    Continua com a escrita deste nível, é sempre gratificante vir aqui e ler um bocadinho de ti.
    Muitos beijinhos,
    ja tenho saudades B.

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