14/01/12

Eu não digo

Sempre falámos a mesma língua. Sempre te riste quando ninguém achou piada. Não por compaixão, mas porque achaste graça. Sempre disseste que sou igual à minha mãe. E eu a negar. Sempre quiseste pensar que não ia durar. Para te defenderes. Sempre te auto-proclamaste o homem da relação. Sempre te escondeste para chorar. Sempre me levaste à estação. Sempre propuseste que fizéssemos uma paragem no caminho. Sempre me apontaste o dedo. Sempre pensaste, sem sequer a ti própria o admitires, que eu podia ser melhor. Sempre gostaste de ir aos sítios onde nunca tinhas ido. Sempre adoraste o meu gato. Mesmo chamando-lhe nomes. Sempre deixaste os teus óculos escuros na minha mesa-de-cabeceira. E o líquidos das lentes. E, as vezes, os ganchos para o cabelo. Sempre foste deixando parte de ti comigo. Sempre fizeste questão. Sempre recusaste dizer sempre. Sempre disfarçaste. Não se passa nada. Sempre arrotaste depois das minhas divagações culinárias. E sempre quiseste repetir. Sempre odiaste que te desse a mão para atravessares a estrada. Sempre me acusaste de ouvir barulho. Em vez de ouvir música. Sempre adoraste os meus ombros. Sempre disseste que a culpa era minha. Sempre odiaste quando falo à moda da margem sul. Sempre me provocaste a escolher a roupa do teu armário. Sempre quiseste o meu colo. Sempre fomos nós. E nunca te importaste. Sempre consumimos as paisagens como se fossem exclusivas. Sempre recusámos fazer planos a longo prazo. Sempre gozámos com as noites em que éramos para dormir juntos, e não sucedeu porque combinámos previamente. Sempre utilizaste palavras demasiado fortes quando discutimos. Sempre fingiste que te enganavas quando surgia a pergunta: “há quanto tempo namoram?”. Sempre esperaste não me amar tanto. Mas não conseguiste. Deixa-me dizer sempre, mesmo que hoje não queiras ouvir. Eu juro que não digo: para sempre.




Miguel Branco

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