17/10/11

Vozes

No fim da tarde sou eu. A varanda cheia de roupa, o sol a despedir-se, o cigarro e eu. Conversas de enterro, o gato não pára de bater no vidro e eu nem oiço. As rolas aninham-se no pinheiro, escutam-me e comentam. Já nem penso nos gritos da puta da vizinha, ela que os faça, alguém que os consuma.


Tenho monólogos múltiplos, vozes em eco sobrepostas em mim. O mármore da mesa congela-me o cérebro e, subitamente, os meus pensamentos estagnam e coloco o cigarro no cinzeiro. Sobra uma dor de cabeça massiva que me encolhe os poucos devaneios que me libertam, mas que também me acorrentam. Não consigo fugir de mim, não sei falar de outra forma.


O sol já se escondeu, as luzes dos aviões confundem-se com estrelas, a roupa tem que se apanhar, não vá a humidade fazer das suas. O gato já dorme no sofá, as rolas foram-se alimentar, a vizinha ficou roca. E as vozes continuam a dialogar dentro de mim, enquanto bebem um chá preto e comem uma torrada com doce de amora. No início da noite sou eu.




Miguel Branco

2 comentários:

  1. Gostei do pormenor do doce de amora.

    Valeu a pena

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  2. Li-te desde o primeiro texto que aqui publicaste e lembrei-me agora da razão para o termos feito. "O meu blogue vai chamar-se comtexto" "O meu vai chamar-se Rascunho". Nomes que sonhávamos dar a utópicos jornais que nunca vão existir.
    Tudo isto para dizer que vou ler-te, sempre.

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