11/10/11

Não me larga

Conto as pedras de calçada que faltam para chegar. Umas já são passeio. Outras nunca foram. O toque, o aviso e a fechadura, que cansaço. O encosto da cara quase parece um afecto, mas não me engano. Seguem-se as perguntas, os pedidos e os decibéis a levantarem-se do chão. As mesmas respirações pautadas pelo mesmo conflito. E mais nada.


A desilusão, essa não me larga. Enfio as luvas para a agarrar, o cheiro a plástico a enjoar, respiro fundo e deito a mão. Só água. Nada sólido, nada passível de queimar e tornar pó. Nem um simples botão de reiniciar para acreditar de novo. Para perceber que foi falha do sistema, que o coração ainda me têm em fotos de miúdo. Mas hoje ponho a mala ao ombro, viro costas e deixo de ouvir. Hoje percebo que não há caminho de regresso e que o olhar perdeu a cor. Ali, já não sou o que fui, sou um comboio estonteado sem paragens nem atrasos.


Faço de sentinela a noite inteira e nem a vejo pousar. Vou deixá-la estar. Não a consigo agarrar.






Miguel Branco

2 comentários:

  1. Já tinha saudades de te encontrar por aqui. São sempre bons de ler esses teus "rabiscos".

    ResponderEliminar
  2. Por te ler, por te perceber, também eu sinto necessidade de te "agarrar" e não te deixar cair. Sabes disso. Sabes que isso nunca vai mudar. Venha o tempo, venha a distância, venha a ausência... eu não vou a lado nenhum e serei sempre uma presença que te acompanha, mesmo que às vezes não me sintas lá.

    ResponderEliminar