21/03/11

Casa

O sol de frente para a lua. De um lado o dia, do outro a noite. E eu no meio...de nada. Reflectem-se mutuamente no leito do rio que eu não alcanço, nem avisto. Tão perto de mim. Estou tão longe de vós, aqui onde vos escrevo esta carta. Na dificuldade de me despedir...para ficar. Hoje que fui, hoje que sou, hoje que vim para longe de mim. Um adeus sem cor, sem fuga. Silencioso.

As paredes estão iguais, os quadros da Bahia e o touro com olhos humanos. O mesmo mármore gelado e a vossa enorme biblioteca, no topo. O cheiro mudou. Capto desgosto nas partículas que o sol ilumina e a lua esconde. A porta está mais velha, mais difícil de abrir e de fechar. Declaro-me culpado.

Que saudades do vosso sorriso, que sempre foi a minha jangada quando nadava entre algas mortíferas e maremotos emocionais. Afogado na minha cegueira deixei-vos ver, matei metade de vós.

Um dia escrevi-te, lua, com medo que não voltes a ser cheia. Sem perdão. Sem regresso ao teu abraço gigante, onde me sentia na proa do navio, desabafando com o vento. Tenho a cara enterrada na areia, bem fundo, e não há uma gota de água. Nem um búzio a fazer de jukebox ou um caranguejo a fugir da espuma. Evaporou. Tudo. Hoje despeço-me de vós e da casa que também foi minha. Desculpem.

Miguel Branco

2 comentários:

  1. "Na dificuldade de me despedir...para ficar. Hoje que fui, hoje que sou, hoje que vim para longe de mim. Um adeus sem cor, sem fuga. Silencioso."

    já me arrepiei mil vezes. Foi chegar de manhã e ler-te. Está visto que adorei.

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  2. gostei muito. escreves ainda melhor quando estás triste, não sei bem o motivo. se tiveres uma vida de cão pode ser que escrevas ainda melhor! kidding *

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