26/02/11

Nómada

Hoje não tenho tempo. E amanhã também não vou ter. E depois? Logo se vê. Não sei viver assim. Ao som de uma balada anticlerical que tarda em chegar, que se compromete com o vento, mas não o convence a ficar. Nem a mim. E logo eu, que sou mais nómada que um pedaço de papel amachucado onde me contaste o teu maior segredo. E os segredos viajam por massas de ar quente africanas e leves brisas oceânicas. E toda a gente os lê, mas ninguém os descodifica.

Não sei que ar é que toco, que brisa é que me faz fechar os olhos e consumir sonhos irrealizáveis. E aqui prossigo a minha constante interrogação sobre o tempo. Até hoje nada. Até ontem muito menos. Alguém o viu? Nem que seja por meio instante de segundo, pelo fumo que expira pela boca numa paragem de autocarro, pelo reflexo dos seus olhos em contraste com quase tudo, pelo seu caricato andar, que um dia parece sério, outro dia parece irónico. Porquê? Porque ninguém voa ao sabor do tempo, ninguém deixa de dançar por não ter tempo. E ele ri-se. De mim, de nós, de vocês. Por saber que não destrói ninguém, não exige maior ou menor velocidade na altura da decisão. O tempo dá sempre outra oportunidade. Enquanto caminha, também espera. E cada pessoa marca o seu ritmo, a sua forma de estar. Por mais rápido que se esteja, não se pense que ele não está atento, que ele não conta cada passo. O tempo só parte quando ninguém o quer agarrar. Eu bem quero, mas nunca tenho tempo para me lembrar. Amanhã vou ter tempo.

Miguel Branco

4 comentários:

  1. nunca é fácil falar de tempo, nem compreender o tempo. Ele é tanto mais do que aquilo que podemos achar que é e ao contrário do que pensamos, é ele que nos domina.

    Espero que tenhas sempre tempo de escrever coisas assim, muito bem amigo. beijo

    ResponderEliminar
  2. o tempo perguntou ao tempo quanto tempo o tempo tem... :)

    ResponderEliminar
  3. "O tempo só parte quando ninguém o quer agarrar. Eu bem quero, mas nunca tenho tempo para me lembrar."
    Por mim acabavas assim. Melhor final de sempre.

    ResponderEliminar
  4. Gostei bastante deste retrato sobre o tempo.
    O tempo domina-nos, de facto. Mas só porque deixamos que ele seja sempre superior a nós.
    Boas palavras que unes a outras. Sempre.

    ResponderEliminar