22/03/12

Espelho Partido

Nem sempre me lembro onde estive. Com quem troquei desassossegos escondidos, com quem partilhei o silêncio sem pagar, com quem dancei poesia gasta e banal. Não me recordo da roupa que usei, nem de olhar as horas, nem de ser preguiçoso e idealista, como sempre sou. Encho-me de mim, dos devaneios de miúdo, das expressões dispensáveis, do cheiro a lágrimas nunca confessadas, das conversas necessárias que prefiro não ter para não me ouvir toda a manhã seguinte.



Não me lembro porquê. Não me lembro de esperar por mim, nem de me repetir constantemente, nem de pedir um café e deixá-lo arrefecer. Não me recordo de querer ser mais e ver os dias a passar discretamente. Mal sei o que me contou o meu espelho. Talvez precise de não me lembrar. Talvez não queira. Talvez não consiga. Talvez me lembre quando não me restar mais nada.







Miguel Branco

4 comentários:

  1. 'Talvez me lembre quando não me restar mais nada'. E eu que não me lembro de alguma vez ter lido coisa tamanhamente real e bem escrita como isto. no words.

    big kiss

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  2. "Não me recordo de querer ser mais e ver os dias a passar discretamente."

    Esta frase merecia lugar na fachada da ESCS, porque nunca nenhum outro estabelecimento provocou tal inércia em mim.
    Enfim, Fetxa Kaya e que sa foda, que o tempo só anda rapido se tu tiveres em pé.

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  3. gostei de passear os olhos nas tuas palavras.
    fizeste o meu dia ter um pouco mais de luz. obrigada por isto.

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