18/11/11

História Banal

No início não acreditei. Aos meus olhos parecia-me uma história banal, um sorriso tímido e uma hortênsia meio caída. Comecei a ouvir os passos de um cavalo, altivos, de queixo levantado, a querer ganhar velocidade. Que confusão, já vi esta história. De súbito ganhava as proporções de um western, as pistolas a sair do cinto de pele, o barulho das balas a encaixar no revólver. Mas engana-se quem pensar que houve disparos. Soltaram-se bandeiras brancas de rendição, de vontade, de desejo efervescente. Ele respeitava e ela não queria que ele o fizesse, mas não deixava que fosse de outra forma. (Aqui entre nós...as mulheres perdem-se).


A distância: meio milímetro. A vontade: toda a noite. E lá se esconderam no quarto, com vinho no sangue e desejo nos lábios, que nunca se chegaram a tocar.


Ninguém sai fora. Ninguém desiste. Mas a distância não muda e o cansaço acaba por chegar. A garganta secou e o silêncio não forma palavras. Até que, de olhos nos olhos, a mentira foi proferida. Numa história banal o mais fácil é o melhor. Decide-se aquilo que evita granizos pela madrugada e lábios gretados pela manhã. No final não acreditei. Mais uma história banal se assim é teu desejo.



Miguel Branco

09/11/11

Avião de papel

Plantei a semente e nem reparaste. Nem deste conta quando a ia regar todas as manhãs ao sabor de um café. Eu a pôr o pacote inteiro de açúcar, tu punhas metade. A chávena aquecia as tuas mãos quase roxas e o fumo saía envergonhado da tua boca. O teu casaco bege e o cachecol cinzento a cobrir-te o pescoço, o batom que espalhavas cuidadosamente pelos lábios e a natural falta de conversa. Tal como eu...não gostas de falar às oito horas da manhã. As poucas palavras saíam arrastadas e rabugentas, que é para isso que servem os encontros matinais, para nos queixarmos do ontem e rejeitarmos o hoje.


Já nem combinávamos, simplesmente aparecíamos. Cada dia diferente, uns brincos brilhantes, umas camisolas sensuais. A semente a ser regada inconscientemente. Cada dia nos sentávamos mais perto, o frio ainda era desculpa, mas na primavera não batia certo. Um dia foste embora e voltaste atrás, um dia deixámos o autocarro passar e os nossos olhares não se largavam. Nesse dia reparaste na semente, não a identificaste, não lhe viste a cor nem a forma, julgaste-a de papel. Fizeste um avião, assopraste e atiraste ao infinito.


A semente já estava enorme, as raízes bem fixas, era de papel consistente. O avião de papel regressou à palma da tua mão. Hoje já nem te recordas da semente, do básico avião de papel que se aprende no recreio da escola primária. Hoje construímos um pomar. Amanhã teremos uma quinta.



Miguel Branco