31/08/11

Regresso

A curva à direita, acentuada, à saída da auto-estrada. E o deambular do vento entre os campos de milho. Os de sempre, uns mais velhos, mais secos. Outros tão verdes, tão vivos, extensos até sempre. Um ténue aceno, como um aperto de mão. Seja bem aparecido. E o cheiro a ti, à terra, o cheiro das vacas que se sentia a milhas de distância. Como sabe bem voltar ao teu local. Aquele em que me esfolei e ri sem parar. A igreja, bonita, azul, como sempre. As vizinhas, e adivinhem, estou enorme, estou um homem. O chão da praça com desenhos, só vale pisar as partes pretas. E a capela que o nevoeiro tentou esconder naquela noite horrível. Nunca tive tanto frio. A torreira, moderna, com gente nova, caracóis biológicos e um sol diferente, mais alegre. A regueifa de manhã com amoras roubadas e iogurte natural. As senhoras de bicicleta a irem para a missa, que o domingo é sagrado. A casa e o poço. Ainda funciona, ainda faz aquele ruído que mais parece uma porta a fechar. E tu. Em todo o lado, da sala à cozinha. O teu andar encolhido em forma de dor, com um leque na mão. Que saudades do pão quente e dos pêssegos carecas. Mudei-te a água, as flores e um até já. Tremi. Tu ouviste, eu sei que tu ouviste. Descansa, eu volto. Agora posso voltar.




Miguel Branco

12/08/11

Os meus amigos

Os meus amigos são tão estranhos. Há um que demora uma hora a responder a uma mensagem de telemóvel. Um que nunca atende. Um que me obriga a ouvir músicas ridículas enquanto espero que atenda. Um que tem um bigode de estimação. Uma que não diz os R’s. Uma que pinta as unhas enquanto me chama nomes. Uma que, cada vez que me vê, diz que eu estou mais gordo. Um que é perito em matar pessoas na playstation. Um que enche o peito quando passa uma menina de saia. Um que me crava cigarros a toda a hora. Mentira, dois. Mentira, três. Uma que fala sem acentos. Um que tenta ser mais parvo do que eu. Uma que é muito nariz empinado. Mentira, cinco. Um que é um playboy a tempo inteiro. Uma que se desgraça cada vez que vamos sair. Uma que usa copa D, quando nem enche uma A. Uma que tem a mania que é vintage. Um que acha que sabe dançar. Uns/umas que amuam e ficam calados meia hora. Um que demora três horas a sair de casa e consegue esquecer-se das chaves. Uma que come, dorme, come, dorme. Uma que é mais aluada que eu. Um que ressona e assobia ao mesmo tempo. Um que pergunta pelo ouro quando está a dormir. Uma que não gosta de favas. Uma que todos lhe devem dinheiro. Uma que me liga quando está bêbada a dizer que tem saudades minhas (quando me viu há dois dias). Uma que fuma sem travar. Uma que não gosta de cerveja. Uma que tem buço e óculos fundo de garrafa. Um que pede desculpa por cada frase que diz. Um que em cada cinco palavras diz seis asneiras. Um que pede um café cheio e diz sempre que está queimado. Um que quase tem um ataque cardíaco a cada jogo do glorioso. Uma que odeia os Queen.


Os meus amigos são esquisitos, mas são os melhores.




Miguel Branco