16/04/11

Bosque

A luz era ténue. Um sopro e adeus. A cera que caía desenhava a linha que te separa de ti. A luz era frágil. Dançando aos empurrões do fogo do vento. Das respirações, em que adivinhava os teus pensamentos. Não havia televisão. Ouviram-se as cigarras ao longe e os grilos ao perto. Ao virar da última árvore do bosque. Última ao teu alcance. Existe tanta coisa lá fora. E o medo. Tanto, em flocos suspensos. Nunca te vi. Não sei que reflexo reproduzem os teus olhos quando focam a chama, em segredo. Espreito pela janela a tua eterna casa de madeira. Porque te escondes? Que delírios mentais contas à luz que te ilumina a alma…sem cor, sem ti, sem coragem de sorrir. A tua poltrona vive asfixiada, sem saber como te pedir oxigénio. Não saíste. Nem vais sair. Não tens medo do bosque. Tens medo de ti.



Miguel Branco

10/04/11

Eu não me quero enganar

Não penses que somos iguais. Eu não fumo tabaco de mentol, nem slims, nem canto bem. Não sabes se visto L ou XL, se calço o 43 ou o 45, se começo pelas jeans ou pela t-shirt. Não sabes que despertador me acorda em dias de asfixia mental, que iogurte desejo quando os olhos não são mais que detectores de movimento. Não sabes qual é a primeira música do meu ipod, nem sabes o que procuro nas noites de insónia. E daí talvez saibas. E então? Podes pensar que somos algo parecidos. Enganas-te. Eu não. Nem quero. Talvez nos encontremos na forma de observar, cada um no seu canto...a rir de toda a gente, a ver pessoas a disfarçar sem sucesso. Escrevo. Faço um avião de papel e envio-te. Só acenas, em jeito de confirmação. Isso sim. Pertencemos a um núcleo restrito de pessoas, que lê, enquanto projecta, enquanto ganha certezas. Em quanto...tempo sabemos o DNA do batom que deixaram no copo. Ainda bem que sabes. Mas não sabes tudo. Não sabes que a história muda, que se vai escrevendo sobre outros parâmetros, com outros protagonistas, com diferentes interpretações. O vinho azedou. Foste tu que o abriste e te esqueceste de fechar. A cerveja está bem viva. Pode até ser mentira. Podes até saber o meu número de calçado, e que gosto de roupa larga. Mas não sabes o que escrevo a carvão no meu mural interno. Isso não sabes.



Miguel Branco