26/02/11

Nómada

Hoje não tenho tempo. E amanhã também não vou ter. E depois? Logo se vê. Não sei viver assim. Ao som de uma balada anticlerical que tarda em chegar, que se compromete com o vento, mas não o convence a ficar. Nem a mim. E logo eu, que sou mais nómada que um pedaço de papel amachucado onde me contaste o teu maior segredo. E os segredos viajam por massas de ar quente africanas e leves brisas oceânicas. E toda a gente os lê, mas ninguém os descodifica.

Não sei que ar é que toco, que brisa é que me faz fechar os olhos e consumir sonhos irrealizáveis. E aqui prossigo a minha constante interrogação sobre o tempo. Até hoje nada. Até ontem muito menos. Alguém o viu? Nem que seja por meio instante de segundo, pelo fumo que expira pela boca numa paragem de autocarro, pelo reflexo dos seus olhos em contraste com quase tudo, pelo seu caricato andar, que um dia parece sério, outro dia parece irónico. Porquê? Porque ninguém voa ao sabor do tempo, ninguém deixa de dançar por não ter tempo. E ele ri-se. De mim, de nós, de vocês. Por saber que não destrói ninguém, não exige maior ou menor velocidade na altura da decisão. O tempo dá sempre outra oportunidade. Enquanto caminha, também espera. E cada pessoa marca o seu ritmo, a sua forma de estar. Por mais rápido que se esteja, não se pense que ele não está atento, que ele não conta cada passo. O tempo só parte quando ninguém o quer agarrar. Eu bem quero, mas nunca tenho tempo para me lembrar. Amanhã vou ter tempo.

Miguel Branco

12/02/11

Eu não sei escrever sobre amor

Perdoem-me a ignorância ou a falta de memória mas já era tarde quando li ou vi, não tenho bem a certeza, alguém a indagar retrospectivas amorosas. Alguém que expressou a necessidade de o ser humano não compreender o amor. E de facto, este pensamento, fez-me coçar a barba, minha eterna conselheira.

A necessidade de decorarmos datas, feitos e factos, ruídos e rugidos, viagens e jantares, é uma prática corrente, um pergaminho de auxílio para se retratar uma relação. Sem ela muitos se sentiriam vazios. Sem oportunidades de comemoração, sem dias fúteis de discussão em que o esquecimento de uma dessas datas pode ditar o fim. Sem mais espaços exclusivos, a conversa não termina, a música muda de ritmo, o olhar distancia-se e muitas vezes, muda de cor.

Há quem use o relógio. “Um banco por favor”, retira-se o relógio da parede para poder descansar, o ponteiro das horas já estava perro e o dos segundos parecia uma corneta viking a mandar reunir os seus guerreiros. Esquecem-se que quando o recolocam por cima da lareira, ele não se acerta sozinho. Nem sempre a extracção da ferrugem e do pó é sinal de que os ponteiros vão ganhar novo sangue.

As pessoas precisam de documentar o amor, para no fim fazerem uma fogueira de despedida, com lágrimas de fúria e desilusão. O amor é uma invenção abstracta que tem como objectivo não ser entendida, colocar as pessoas a pensar, e outras vezes, vincar desgostos e criar ódios. E quanto mais se pretende perceber os meandros de algo que rege a nossa vida, mais confuso se fica, mais tempo se gasta em livros da Grécia Antiga, mais raízes negras se propagam e contaminam os sentimentos. E menos se comunica, menos se estende a mão, menos se escrevem romances sem clichés. E sobretudo, mais se mente em relação ao que se sente.

Cada um define o amor como o pretende viver. Eu não percebo o amor, nem quero perceber.

Miguel Branco