Eu não queria ser mosca, juro. Até porque as moscas fazem barulho, apanham cancro da pele em cima de merda e não conseguem parar muito tempo num local. Nunca resultaria num bom observador. Adorava ficar sentado num terraço de Nova Iorque com uns binóculos com infinito zoom e deixar-me ficar.
As pessoas estreitam relações. Cospem em pratos limpos que mais tarde se esquecem de lavar. Dançam com inimigos e na ressaca do tango lêem um post-it – “Isto nunca aconteceu”. Chamam um táxi e dividem o banco, sem champanhe nem gorjeta. Pobre taxista ainda tem de comprar um ambientador para o banco de trás. Fumam um cigarro enquanto enumeram as luzes cintilantes da sua cidade. Fumam um maço e lá se perdem na contagem. Jantam gambas fritas com molho de alho e gastam trezentos guardanapos. Odeiam e têm gosto
Daqui vejo-vos a todos. E vocês andam bonitos, a olhar para todo o lado para ver se alguém deixa cair os livros e apontamentos, para darem uma ajuda a apanhar. Quem não gosta de pequenos momentos caricatos? Quem não admite.
Estou muito melhor sentado nesta preguiceira do que uma mosca a incomodar. Eu não incomodo, o meu zoom não acaba nunca. As pessoas estreitam relações, cortam outras e alimentam mais umas, inconscientemente. As pessoas levantam dinheiro e deixam-se levar. Eu aumento o zoom, peço um whisky e deixo-me ficar.
Miguel Branco