30/07/10

Descansa

Que raiva. Não costumo ser assim, mas chega a uma altura que isto cansa.

Dá-me a sensação que me assemelho a um puto de 5 anos vingativo, que se saliva todo quando lhe roubam o carro telecomandado. Puro azar. O passeio está esburacado…e agora? Chovem pedras da calçada para esses estupores do destino, ou do karma, ou daquela entidade que leva as pessoas de ao pé de nós.

Que injustiça. Não costumo ser assim, odeio clichés, mas quase parece verdade.

São sempre os mesmos, os melhores. Os piores vão ficando e rindo satiricamente, mesmo quando o sol os acorda através dos quadradinhos de metal e o recreio é as 15 horas.

Portugal acordou encolhido. Uma pontada na coluna fez Sagres balançar para trás. Um soco no abdómen fez oscilar Lisboa. E assim foi em todo o país. Felizmente ninguém se esquece. Dói. Retraímo-nos em conjunto, mas recordamos, exaltamos, choramos.

Está no núcleo duro deste pequeno país. Esperamos que ainda estejam mais por nascer. No teatro, na rádio, na televisão, no desporto, na literatura. Homens e mulheres de excelência que nos fazem andar com o peito inchado pelo estrangeiro.

Nunca parámos de rir. Não nos cansámos de ouvir a sabedoria e humildade com que nos foste brindando, principalmente nestes últimos meses.

Não é tempo de gritar pela injustiça da vida, não é não. É tempo de deixar cair uma lágrima de homenagem e sorrir ao som das últimas e infinitas palavras.

Que a beleza do teu nome nos conceda um dia.

E hoje, por um dia sejamos todos fantasticamente Feios, no coração, na face, nos olhos, no nosso íntimo e na nossa sombra.

Se cada um fosse tão Feio como tu António...

Descansa em paz António Feio.

29/07/10

Desçamos

Desci do quarto andar em que não vivo. Medroso, pelas vertiginosas escadas de emergência, que sempre resultam em acidentes, tiroteios ou suicídios escondidos pelas ratazanas (quem nunca o viu num filme rodado em Nova Iorque?). Consegui chegar ileso. Fisicamente.
Subitamente, apercebo-me dos combates do foro psicológico/mental que decorriam na minha mente. O terceiro ou quarto assalto (não me lembro bem) estava a chegar ao fim e só aí lhe dei atenção.
Porque não posso eu viver de onde, ainda agora, desci? Casa antiga, bem decorada, na sala uma jukebox a tocar bob dylan, no quarto um poster do freddie mercury. Uma varanda espaçosa com uma mesa para jogar póquer. Uma biblioteca com os melhores: Eça, Pessoa, Saramago, Camilo, entre tantos outros.
Acho que sei porquê. Quanto mais desejamos ser e ter, menos somos e menos temos. Nunca correspondemos àquilo que esperam de nós, somos demasiado exigentes, demasiado insatisfeitos.
A inconformidade não é negativa na sua essência, é sim explorativa, ousada, mas também, e muito, incerta.
Desçamos todos do quarto andar em que não vivemos e sejamos o que conseguimos ser. Para nós, para as nossas próprias expectativas, para os nossos episódios internos. Para os outros, sejamos a imagem que eles queiram fazer de nós. Quem se importa?

Miguel Branco