14/03/10

Explosão

Rastilho aceso. 1,2,3,4,5. Detonação evidente. Diferente. Não como uma explosão normal, onde o barulho rasga os tímpanos, os destroços ferem pessoas, as labaredas tocam o céu com a ponta do nariz. Desta vez o silêncio sobrepõe-se, ninguém é atingido, as chamas não queimam qualquer nuvem.
Não se lêem notícias sobre o acidente, pois este permanece no anonimato. Não posso divulgar, não sei do que se fala. Salvem-me do pó que não me deixa respirar. Enquanto as minhas veias se laqueiam automaticamente e os meus órgãos ficam mais lentos, vejo alguém sentado numa poltrona a escrever o que observa. Revejo-me no reflexo dos seus óculos de sol, assim como vislumbro o que escreve.
“Pobre rapaz, não sabe como escapar a tremenda explosão, não pode dizer nada, por consciência própria, não sai do seu silêncio doentio que lhe fecha os horizontes. Sabe que não pode, que seria ridículo pedir-lhe justificações. A explosão, medrosa e algo vingativa, veio sem avisar. Rebentou por medo, por insistência, por exigência de alma. Liberta-te rapaz e cospe o fogo, o pó e os pedaços que por ricochete te cortaram as artérias. Faz-te um homem e ganha ao tempo”.
Fiquei estático, limpei o lixo dos olhos, sacudi a película de fibra de vidro que enforcava o meu coração e fingi que não explodi internamente. Alguém ouviu alguma coisa?


Miguel Branco

11/03/10

Lê o jornal. Consome os títulos. Mastiga as notícias. Cospe o acessório. Recorta. Cola. Pára. Inventa.

Gostava que o Word guardasse um histórico das tentativas que já fiz para dar continuidade a este primeiro parágrafo. Não as considero infelizes, mas sim inadequadas. Processos criativos que não mereceram divulgação, talvez por serem demasiado pessoais, talvez por serem demasiado abstractos. Talvez ainda, por serem, isso sim, pedaços de folhas digitais escritas e rasuradas e reescritas e queimadas por fim.

Muitas como esta, pobre coitada, tiveram o azar de ser publicadas. Acusadas de não terem espontaneidade, de serem cópias daquelas de que todos ansiavam e de aparecerem sob a forma de desabafo forçado. São vítimas dos avanços e retrocessos do seu fugaz criador. Durmo em paz, porque sei que são das tentativas de escritas mais compreensivas que alguma vez encontrei. Perdidas na Baixa, ao som de uma guitarra que propagava melancolia, através de solos antigos de Pink Floyd.

Encontrei-vos e perdi-vos a seguir. Reconheci uma cara conhecida que se dirigiu a mim:
- Nunca mais soube nada de ti…
- Nem eu…

Miguel Branco